Presença das drogas nos condomínios: como funciona a recuperação em dependência química

A ABSTINÊNCIA TOTAL é necessária para recuperação da DEPENDÊNCIA QUÍMICA. Promessas para diminuir o consumo de entorpecentes não podem ser mantidas. Qualquer uso, mínimo que seja, manterá a adicção ativa.

Prosseguindo em nossa abordagem para orientar síndicos quanto ao que fazer mediante a presença e consumo de drogas nos condomínios, de forma a que possam fazer uma abordagem correta junto aos responsáveis pelos usuários, seguimos esclarecendo pontos importantes da questão.

Começamos com duas questões fundamentais:

1) ABSTINÊNCIA não é recuperação;
2) Tratamentos que reconheçam a DEPENDÊNCIA QUÍMICA como uma condição primária em vez de sintomas têm se mostrado mais eficazes.

Agora vamos a um passo a passo sobre questões relativas ao processo de tratamento.

TRATAMENTO

1º PASSO – DESINTOXICAÇÃO:

  1. Remover a substância tóxica do corpo;
  2. Sintomas de Síndrome de abstinência Aguda aparecem quando o químico é removido;
  3. Síndrome de Abstinência é um problema médico, devendo ser tratado por um médico especializado;
  4. A desintoxicação sozinha não é um tratamento adequado para a doença da adicção.

2º PASSO – TRATAMENTO HOLÍSTICO:

  1. A recuperação requer mudanças duradouras: físicas, psicológicas, de comportamento, sociais e espirituais;
  2. A educação (conscientização) é um aspecto importante no tratamento.
  3. Pesquisas indicam que os tratamentos de mais sucesso combinam os princípios dos Grupos de autoajuda com aconselhamento profissional.
  4. Administração dos Sintomas da Síndrome de abstinência Aguda (SAA) são essenciais para alcançar a recuperação.

Administrar inclui entender e aceitar esses sintomas que interferem na habilidade de lembrar, pensar claramente e administrar sentimentos e emoções.

Também inclui vencer a vergonha, culpa e o medo de ficar louco, sensações que estão muitas vezes ligadas a esses sintomas. Inclui reduzir e administrar situações de estresse, recondicionamento da memória e uma vida equilibrada.

SOBRIEDADE é essencial para uma boa saúde e uma boa saúde é essencial para a sobriedade.

  1. Recuperação exclui drogas prescritas e automedicação, a não ser que seja absolutamente necessário para lidar com algum outro problema sério de saúde.
  2. Boa nutrição é vital para a recuperação.
  3. Exercícios e relaxamento reequilibram o corpo e reduzem stress.
  4. Recuperação implica na ampliação dos padrões de ação e reação para lidar com as intercorrências da vida.

A família necessita realizar tratamento concomitante com o Dependente para entender a natureza da doença familiar, reestruturar papéis, regras e rituais.

É difícil a recuperação completa sem o que se chama de um Programa Espiritual.

PROCESSO DE RECUPERAÇÃO

A doença adictiva pode ser recuperável, porém não curável.

Sempre existe a possibilidade de recaída. A menos que sejam tomadas medidas duradouras para controlar a doença, a recaída é provável.

1ª TAREFA DE RECUPERAÇÃO: Reconhecimento por parte dos dependentes químicos que são portadores de doença debilitante, com risco de vida associada ao uso de outras drogas alteradoras do estado de humor.

2ª TAREFA DE RECUPERAÇÃO: Abstinência Total de toda e qualquer substância alteradora do estado de humor.

3ª TAREFA DE RECUPERAÇÃO: Reconhecimento da necessidade de um programa de recuperação.

PERÍODOS PREVISTOS PARA A RECUPERAÇÃO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA

  1. De 8 a 10 anos para que o Dependente Químico retorne a sua condição “normal”.
  2. De 2 a 3 anos para lidar com a Síndrome de Abstinência Demorada e superá-la.

MODELO DE RECUPERAÇÃO EVOLUTIVO (M.R.E.)

O modelo de recuperação evolutivo (M.R.E.) sugere o cumprimento de tarefas de recuperação dentro de uma ordem progressiva. Do básico para o complexo:
1) ABSTINÊNCIA: aprender como parar de usar o químico;
2) SOBRIEDADE: aprender como lidar com a vida sem químicos;
3) VIDA CONFORTÁVEL: aprender a viver confortavelmente enquanto abstinente;
4) VIDA PRODUTIVA: aprender como construir uma maneira de viver sóbria e significativamente.

PERÍODO DE EVOLUÇÃO E RECUPERAÇÃO

1) PRÉ-TRATAMENTO: Reconhecimento da adicção (passo zero). Aprender pelas consequências que não se podem usar químicos aditivos com segurança.

2) ESTABILIZAÇÃO: Lidar com a crise de abstinência. Envolve administrar os sintomas de Síndrome de Abstinência Aguda e Síndrome de Abstinência Demorada-recuperando o controle do processo de pensamento, emocional, memória, julgamento e comportamento.

3) RECUPERAÇÃO INICIAL: Aceitação e aprendizado sobre como lidar com a vida sem químicos. Aceitação da doença da adicção e aprender a funcionar sem drogas e sem álcool.

4) RECUPERAÇÃO MÉDIA: Vida equilibrada. Desenvolver um estilo de vida normal e equilibrado.

5) RECUPERAÇÃO FINAL: Mudança de personalidade. Desenvolvimento de autoestima saudável, crescimento espiritual, relações íntimas e uma vida expressiva.

6) MANUTENÇÃO: Crescimento e evolução. Continuar sóbrio e viver produtivamente.

RECAÍDA

1) SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA AGUDA: Com sintomas físicos, psicológicos e mentais provocados pela falta de drogas (3 a 10 dias).
2) SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA DEMORADA (S.A.D.): Sintomas emergentes na sobriedade (6 a 24 meses). É a SAD que torna a sobriedade tão difícil. a disfunção cerebral foi documentada em cerca de 75% a 95% de dependentes químicos testados. Sintomas de SAD associados aos danos causados ao cérebro, devido ao uso de drogas, podem contribuir para muitos casos de recaída. A severidade da SAD depende da disfunção do cérebro e da intensidade do stress. Os danos são geralmente reversíveis se houver tratamento adequado.

Sintomas de SAD:

a) Mente confusa.

b) Problemas de memória.

c) Reação emocional exagerada ou apatia.

d) Distúrbio do sono.

e) Problemas de coordenação motora.

f) Sensibilidade ao stress.

Até recentemente a SAD e seus sintomas não eram conhecidos.

Muitos sintomas emergentes na sobriedade foram ignorados ou mal interpretados como problemas psicológicos ou psiquiátricos.
Depressão, confusão e ansiedade que surgem como sintomas de abstinência aguda e demorada muitas vezes não são identificados como sintomas de adicção.

Pessoas com estes problemas são encaminhadas a psicólogos ou psiquiatras que conhecem pouco ou nada sobre a dependência química.

O PAPEL DAS DROGAS SUBSTITUTAS NA RECAÍDA

Uma vez que a pessoa se torne adicta de uma droga, existe uma tendência a transferir esta dependência para outras drogas alteradoras de humor. Principalmente se estas drogas forem similares à droga original (adicção cruzada).

Mudar de uma droga para outra não é recuperação. O dependente químico que acha que pode usar com segurança grandes quantidades de nicotina, cafeína, maconha, pílulas – desde que não seja álcool ou drogas ilícitas – corre o grande risco de desenvolver uma segunda adicção.

O PAPEL DA CAFEÍNA
Pesquisas recentes (John Blattner) mostram que a cafeína pode ser usada de forma adictiva. É perigosa para a saúde e pode reativar o ciclo da adicção.
À medida que se tornou mais conhecida a relação entre a cafeína, a nicotina e a recaída, expandiu-se o conceito de drogas alteradoras de humor, para incluir o café, o tabaco e os refrigerantes, que antes não eram considerados perigosos para a recuperação.

O PAPEL DOS COMPORTAMENTOS COMPULSIVOS NA RECAÍDA
Comportamentos compulsivos são ações que produzem excitação interna e liberação emocional, seguidas por dor e desconforto duradouros.
Tem em comum com as drogas o fato de produzir a desejada mudança de humor positiva nos adictos que as procuram.
O PROCESSO DE RECAÍDA SIGNIFICA A SUBSTITUIÇÃO DE UMA DROGA POR OUTRA DROGA OU POR UM COMPORTAMENTO COMPULSIVO. QUANDO A OUTRA DROGA OU COMPORTAMENTO COMPULSIVO NÃO SATISFAZEM MAIS O DEPENDENTE QUÍMICO, ELE VOLTA À DROGA DE SUA PREFERÊNCIA.

A recuperação parcial começa quando uma pessoa se defronta com uma tarefa que supõe não conseguir realizar (Ponto de Bloqueio). A consequência é uma sobriedade de baixa qualidade.

São Paulo, 3 de junho de 2014.

Autor

  • Nelson Luiz Raspes

    Psicólogo com formação em Dependência Química pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). É especializado em Capacitação em Dependência Química pela Universidade de Santa Catarina. Atuou durante quinze anos junto ao Centro de Tratamento Bezerra de Menezes.

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