Os condomínios edilícios na lei 14.010/2020

“O veto ao Art. 11 não retira dos síndicos o amparo legal na Constituição Federal, em Leis Federais, Decretos Estaduais/ Distritais para manterem o isolamento social e o fechamento de áreas, como academia, por exemplo.”

No século passado, já dizia Rui Barbosa, advogado, jornalista, jurista, político, diplomata, ensaísta e orador, que: “A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”.

Esta conhecida frase nos faz refletir sobre o princípio da Celeridade, previsto no Artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, tão antagônico à morosidade do Congresso Nacional e do Judiciário antes da pandemia do Coronavírus: Sim, alguns Projetos de Lei levaram anos para serem discutidos, votados, sancionados; processos com sentenças após “décadas” de sua distribuição.

Mas, de repente, aparece, como num passe de mágicas, um vírus que deixa toda a humanidade em pânico, e celeremente decisões começam a ser tomadas em prol da coletividade pelo bem maior: a saúde, a vida.

No âmbito condominial, síndicos são obrigados a tomarem decisões amparados no Art. 1.348, II, do Código Civil, que prevê sua responsabilidade de “representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em Juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns”. Restringiram a utilização de espaços comuns, como piscina, academia, salão de festas, churrasqueiras, quadra de esportes.

Entretanto, esta restrição, por si só, não tem previsão no ordenamento jurídico brasileiro (Constituição Federal, leis, convenções, decretos, resoluções). Os atos dos síndicos foram protegidos, principalmente, pela previsão legal de responsabilidade por praticar atos com o escopo de prevenir o interesse comum da comunidade condominial e, caso não agissem, haveria também previsão legal no Art. 268, do Código Penal, para puni-los.

Após, decretos mais pontuais foram sendo publicados pelas unidades federativas. E, a galope, na tentativa de amenizar os efeitos dessa situação sem precedentes modernos, o Congresso Nacional criou o Regime Jurídico Emergencial Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET), através do Projeto de Lei 1.179/2020, de autoria do Senador Antonio Anastásia.

O Projeto de Lei contemplou diversas matérias no âmbito privado e, no capítulo VIII, regras para os condomínios edilícios. Supõe-se que o objetivo era que as decisões tomadas pelos síndicos fossem amparadas por lei específica, ampliando, no Art. 11, os poderes já previstos no Art. 1.348, do CC, em caráter emergencial até 30 de outubro de 2020. In verbis, veja:

I – Restringir a utilização das áreas comuns para evitar a contaminação pelo Coronavírus (Covid-19), respeitado o acesso à propriedade exclusiva dos condôminos;

II – Restringir ou proibir a realização de reuniões e festividades e o uso dos condôminos, como medida provisoriamente necessária para evitar a propagação do Coronavírus (Covid-19), vedada qualquer restrição ao uso exclusivo pelos condôminos e pelo possuidor direto de cada unidade.

Parágrafo único – Não se aplicam as restrições e proibições contidas neste artigo para casos de atendimento médico, obras de natureza estrutural ou realização de benfeitorias necessárias.

Contudo, ao ser sancionada a Lei 14.010/2020, o Art. 11, que tinha o intuito exclusivo de evitar a propagação do Coronavírus (Covid-19), restringindo/proibindo as áreas comuns, festividades, reuniões, uma vez que haveria aglomeração de pessoas, foi vetado.

Mas, este veto não retira dos síndicos o amparo legal na Constituição Federal, em Leis Federais, Decretos Estaduais/ Distritais para manterem o isolamento social e o fechamento de áreas, como academia, por exemplo. Percebe-se que, justamente por isso, algumas unidades da Federação estão publicando decretos no intuito de reabrirem estas áreas.

Outra novidade deste PL, mantida na Lei 14.010, através do Art. 12, é a possibilidade de serem feitas assembleias virtuais em caráter emergencial, até 30/10/2020. Talvez este seja o ponto mais controvertido no meio jurídico. Isso, pois, a maioria das convenções condominiais não tem esta previsão expressa.

Legalmente, o tema da assembleia pode ser qualquer um, inclusive os previstos nos artigos 1.349 e 1.350 do Código Civil:

Art. 1.349. A assembleia, especialmente convocada para o fim estabelecido no § 2º do artigo antecedente [§ 2º – O síndico pode transferir a outrem, total ou parcialmente, os poderes de representação ou as funções administrativas, mediante aprovação da assembleia, salvo disposição em contrário da convenção.], poderá, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, destituir o síndico que praticar irregularidades, não prestar contas, ou não administrar convenientemente o condomínio.

Art. 1.350. Convocará o síndico, anualmente, reunião da assembleia dos condôminos, na forma prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno.

§ 1º – Se o síndico não convocar a assembleia, um quarto dos condôminos poderá fazê-lo.

§ 2º – Se a assembleia não se reunir, o juiz decidirá, a requerimento de qualquer condômino.

Várias já são as empresas que estão oferecendo comercialmente aplicativos de assembleias virtuais aos condomínios, mas a lei não prevê a obrigatoriedade de se ter um sistema exclusivo para as assembleias virtuais. Virtual pode ser, inclusive, pelo WhatsApp, e a manifestação de vontade do condômino, para efeitos jurídicos, é equiparada à sua assinatura presencial.

Contudo, assim como na assembleia presencial, a virtual deve seguir o procedimento de notificação da assembleia para todos os condôminos, com a confirmação de que todos receberam. Após, para também evitar nulidades, é interessante o condômino que irá presidir a assembleia ter cópia de todas as mensagens trocadas ou um relatório e levar ao Cartório para que o tabelião redija uma ata notarial da assembleia virtual. Este documento, arquivado juntamente com cópia do relatório, é prova da validade da assembleia.

Uma sugestão para confirmar o voto do condômino seria a realização de assembleia híbrida: todas as discussões e apresentações de candidatos de forma virtual, e a votação e assinatura presenciais, dependendo da importância das decisões. Esta pode ser uma sugestão para aqueles condomínios que tenham grande número de condôminos mais idosos, sem muita intimidade com o virtual.

A realidade das assembleias virtuais, com ou sem a Lei 14.010/2020, será permanente. O importante é seguir um rito que evite posteriores nulidades.

Quanto aos mandatos de síndicos vencidos a partir de 20/03/2020, caso não haja a possibilidade de executarem a assembleia conforme a previsão no caput do Art. 12, a lei o prorroga automaticamente até 30 de outubro de 2020.

Vale frisar que esta lei prevê que de todos os atos de administração praticados pelos síndicos devem ser prestadas contas. Caso haja omissão nesta prestação de contas, o síndico, por força do Art. 13, poderá ser destituído de seu cargo, sendo responsabilizado cível e criminalmente.

O PL 1.179 tornou-se a Lei 14.010, que, conforme o Art. 1º, “institui normas de caráter transitório e emergencial” até 30/10/2020.


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Autores

  • Adriana Kingeski dos Santos

    Advogada e professora, é vice-presidente da Comissão Nacional de Direito Imobiliário da ABA. Formada em Direito pela Unieuro (Brasília/DF) e em Letras pela Unisinos (São Leopoldo/RS), cursa mestrado em Resolução de Conflitos e Mediação pela Universidad Europea Del Atlantico (Espanha). É sócia do escritório Kingeski – Assessoria e Consultoria Jurídica, com sede em Brasília (DF). Especialista em Direito Condominial/ Direito Agrário / Direito do Trabalho, e pós-graduada em Processo Civil pela ATAME/Brasíllia (DF) e em Ensino da Língua e da Literatura pela Faculdade Porto-alegrense (Porto Alegre/RS).

  • Jornalismo Direcional

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