Advogado recapitula principais incêndios que atingiram edificações em São Paulo e fala sobre medidas de prevenção e proteção, como manter em dia o AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros).
Inicialmente vamos recapitular tragédias que traumatizaram a cidade de São Paulo e deixaram grande número de vítimas.
– Incêndio do Edifício Andraus
No dia 24 de fevereiro de 1972 o Edifício Andraus (na Avenida São João, altura do número 800), na região central da Cidade de São Paulo, pegou fogo. O incêndio aconteceu por causa de uma sobrecarga no sistema elétrico no segundo andar, que fez com que o fogo rapidamente se alastrasse pelo prédio, matando 16 pessoas (entre elas, funcionários das multinacionais Henkel e Siemens) e causando ferimentos em 330.
A tragédia do Andraus foi, na época, a primeira grande tragédia transmitida ao vivo pela televisão brasileira, e as cenas horríveis de pessoas se jogando das janelas do edifício chocaram o Brasil e o mundo.
– O Incêndio do Edifício Joelma
Ocorreu em uma sexta-feira, no dia 01/02/1974, em São Paulo. Às 08:54min, um curto-circuito provocou o início do incêndio. O endereço do Edifício Joelma já havia sido palco de um triste acontecimento no ano de 1948, quando um engenheiro químico decidiu acabar com a vida da mãe e de suas irmãs no caso que ficou conhecido como o “Crime do Poço”. Após esse fatal acontecimento, os imóveis ficaram vazios até que toda a área foi demolida para dar lugar ao novo edifício. O Edifício Joelma foi inaugurado em 1971, com 25 andares e quatro elevadores. Era um dos principais do centro de São Paulo e abrigava a sede do Banco Crefisul.
O início de curto-circuito aconteceu no décimo segundo andar, localizado justamente no meio do edifício e, para piorar, as salas do edifício estavam repletas de materiais altamente inflamáveis (divisórias, carpetes, cortinas e móveis de madeira, além dos forros que eram de fibra), o que colaborou com a propagação do fogo.
Após poucos minutos que o incêndio teve início, fumaça e calor já tomavam conta do interior do edifício, o que impedia as pessoas de fugirem pelas escadas, que estavam localizadas no centro da construção (o prédio não possuía escadas de incêndio), motivo que levou os frequentadores a se arriscarem e descerem pelos elevadores.
E, mesmo sendo a opção mais arriscada, muitos se salvaram descendo pelos elevadores do edifício, enquanto estes ainda funcionavam.
Mas não demorou para que um colapso no sistema elétrico ocorresse, paralisando os elevadores e matando um ascensorista no vigésimo andar. Muitos foram para o terraço na esperança de um resgate de helicóptero e outros foram para os parapeitos das janelas. Mas o edifício não possuía heliporto e as telhas e a fumaça impediam um pouso ou aproximação maior dos helicópteros.
O pânico tomou conta das pessoas, que não enxergavam outra solução para se salvarem que não fosse pular, decisão desesperada pela qual mais de vinte seres humanos optaram: nenhum sobreviveu. Cerca de uma hora e meia depois do incêndio ter tido início, todo o material inflamável do prédio já havia sido consumido pelas chamas, assim o incêndio finalmente seria debelado. Ao final, a tragédia provocou 188 mortes e deixou cerca de 300 feridos.
À época, o terrível incêndio do Joelma, ocorrido poucos anos após o Andraus, abriu o debate para a necessidade da revisão urgente do Código de Obras da cidade de São Paulo.
O que estava em vigor em 1974 havia sido criado quatro décadas antes, em 1934, quando a cidade era muito menor, seus edifícios não eram tão complexos e a cidade tinha pouco mais de 700 mil habitantes.
A investigação das causas que levaram o Joelma a se incendiar apontou para as falhas na execução da manutenção do sistema elétrico do edifício, cujo sistema que era precário, e que estava muito sobrecarregado.
Tanto a empresa responsável pela manutenção à época como o próprio Banco Crefisul e seus representantes diretamente ligados ao ocorrido receberam condenações. Depois da tragédia, o Joelma ficou fechado para reformas e adequações por quatro anos, sendo reaberto em 1978 com o nome de Edifício Praça da Bandeira.
Novas regras são impostas às edificações em SP
Todas as edificações com múltiplas unidades, residenciais ou não, antigas ou recentes, devem atender a inúmeras condições de segurança contra incêndio. E a legislação que serve de base para tanto é complexa.
No âmbito estadual, há o Decreto Estadual n° 56.819/11 (que substituiu o Decreto Estadual 46.076/01), que regulamentou a segurança contra incêndio das edificações e áreas de risco.
Dentre outras disposições, o mencionado decreto versa sobre o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB). Ainda na seara estadual, também existem as Instruções Técnicas do Corpo de Bombeiros.
No âmbito Municipal, há normas que regem as edificações, sistematizadas na forma de um Código de Obras e Edificações, presumindo-se que as edificações anteriores a cada legislação tenham efetivado as adaptações exigidas pelo avanço técnico-legislativo pertinente ao assunto. Em São Paulo, vigora desde julho de 2017 o Novo Código de Obras e Edificações (COE).
As condições mínimas de segurança e do estado de conservação, mesmo com relação às edificações antigas, também são observadas, posto que, a qualquer momento, fiscais do Poder Público poderão comparecer ao condomínio a fim de verificar sua existência e regularidade.
Pois bem, feita a introdução, cabe dizer que o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) é obrigatório por força do Decreto Estadual n° 56.819/11, com as determinações das Instruções Técnicas do Corpo de Bombeiros (podem ser obtidas no site www.ccb.polmil.sp.gov.br).
O AVCB é documento emitido pelo Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo (CBPMESP) certificando que, durante a vistoria, a edificação apresentou as condições de segurança contra incêndio exigidas pela lei e que, nesta vistoria, o Corpo de Bombeiros levará em conta o atendimento de toda legislação pertinente à segurança contra incêndios, bem como as normas técnicas aplicáveis.
O AVCB também evidenciará o período necessário para sua revalidação.
Segundo o Decreto Estadual n° 56.819/11, Artigo 10:
“O AVCB será expedido pelo Corpo de Bombeiros, desde que as edificações e as áreas de risco estejam com suas medidas de segurança contra incêndio executadas de acordo com a regulamentação.
§1º. – A vistoria nas edificações e áreas de risco pode ser realizada: 1. de ofício; 2. mediante solicitação do proprietário, do responsável pelo uso, do responsável técnico ou da autoridade competente.
§2º. – na vistoria, compete ao CBPMESP a verificação da execução das medidas de segurança contra incêndio previstas nas edificações e nas áreas de risco, não se responsabilizando pela instalação, manutenção ou utilização indevida.
§3º. – Após a emissão do AVCB, constatada irregularidade nas medidas de segurança contra incêndio previstas neste Regulamento, o CBPMESP iniciará procedimento administrativo regular para sua cassação.
§4º. – O AVCB terá prazo de validade pré-determinado de acordo com a regulamentação do CBPMESP.”
Observa-se que o artigo 10, §4º, do Decreto Estadual n° 56.819/11, diz que o AVCB terá prazo de validade pré-determinado de acordo com a regulamentação do CBPMESP.
Houve completa revisão das Instruções Técnicas do Corpo de Bombeiros, sendo a IT 01/11, que trata dos procedimentos administrativos, a norma pertinente.
Em síntese, em São Paulo, o AVCB é válido por período que varia entre 1 (um) a 5 (cinco) anos nos condomínios residenciais (item 6.6.1 ver anexo), dependendo de várias razões (item 6.6.1 ver anexo).
São hipóteses usuais de expedição do AVCB:
– A entrega de obra nova;
– A instalação de novos equipamentos;
– O simples requerimento de revalidação.
O requerimento de expedição do AVCB depende, dentre outras coisas, de projeto de segurança contra incêndio elaborado e executado por profissionais ou empresas habilitadas.
A ocorrência de incêndio, com a constatação de inexistência do AVCB, ou ainda, que o mesmo existia, mas estava vencido, poderá redundar na responsabilização civil e criminal do síndico do condomínio, que tem dentre suas atribuições a de zelar pela mantença das condições de habitabilidade e de segurança da edificação (Art. 1.348, V, do Código Civil).
Por fim, a falta de AVCB poderá frustrar a cobertura do seguro (indenização), caso haja cláusula específica vinculando sua existência válida ao fiel cumprimento do contrato por parte da empresa seguradora.
Já a Instrução Técnica nº 01/2.011, do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo, determina que:
Procedimentos administrativos …
6.6 – Prazos do auto de vistoria
6.6.1 – O AVCB terá prazo de validade de 3 (três) anos, salvo nos casos previstos nos itens 6.6.2 e 6.6.3; 6.6.1.1 Nos termos da IT 44/11 Proteção ao meio ambiente, a validade do AVCB pode ser prorrogada por 1 (um) ano sem a necessidade do pagamento de emolumentos e da entrega dos documentos atualizados previstos nesta IT;
6.6.1.2 – A prorrogação da validade do AVCB em razão da certificação ambiental não impede que seja efetuada vistoria técnica no local, a qualquer tempo e, decorrido o prazo de 1 ano, a renovação da vistoria deve seguir os trâmites normais conforme a presente IT.
6.6.2 – O AVCB deve ter prazo de validade de 2 (dois) anos para a edificação e áreas de risco cuja ocupação seja de local de reunião de público, exceto para as divisões F3, F5, F6 ou F7;
6.6.3 – O AVCB deve ter prazo de validade de 01 (um) ano para os seguintes locais:
6.6.3.1 – Edificações e/ou áreas de risco que estejam desabitadas e que não possa ser fornecido o Atestado de brigada contra incêndio; 6.6.3.2 Estádios de futebol;
6.6.3.3 – Locais de reunião de público das divisões F3, F5, F6 ou F7;
6.6.3.4 – Edificações com atividades de comércio de fogos de artifícios.
6.6.4 – Para Projeto Técnico de Instalação e Ocupação Temporária e Projeto Técnico de Ocupação Temporária em Edificação Permanente, o prazo de validade do AVCB deve ser para o período da realização do evento, não podendo ultrapassar o prazo máximo de 6 (seis) meses e somente deve ser válido para o endereço onde foi efetuada a vistoria.
6.6.5 – Quando houver a necessidade de cancelar o AVCB emitido para retificação de dados, o prazo de validade do novo AVCB deve se restringir ao mesmo período de validade emitido no AVCB cancelado, mediante devolução do AVCB original.
Segundo o Decreto Estadual 46.076, “o proprietário do imóvel ou o responsável pelo uso obrigam-se a manter as medidas de segurança contra incêndio em condições de utilização, providenciando sua adequada manutenção, sob pena de cassação do AVCB, independentemente das responsabilidades civis e penais cabíveis”.
Ou seja, se o síndico desconhece a legislação e sua responsabilidade, pode deixar de solicitar a vistoria.
É comum os bombeiros chegarem a um prédio que não está em dia com o AVCB. Sempre é bom lembrar que o Corpo de Bombeiros não tem poder de polícia. A vistoria é realizada de acordo com a Instrução Técnica n°. 1 (ver o site www.polmil.sp.gov.br/ccb).
Nos condomínios residenciais, os bombeiros checam o sistema de hidrantes, os extintores, a iluminação de emergência, o alarme de incêndio (que pode ser substituído por uma central de interfone com porteiro) e as escadas com portas corta-fogo.
Já os prédios comerciais devem possuir ainda alarme obrigatório e, em função da área e da altura do prédio, chuveiros automáticos e equipamentos de detecção de incêndio ligados na central de alarme que, em caso de fumaça ou calor, acionam o alarme.
Em prédios novos, a construtora entrega aos bombeiros um projeto com os itens de segurança do prédio.
A vistoria deve ser solicitada através de uma Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), fornecida por um engenheiro ou arquiteto.
O básico é apresentar uma ART do sistema de segurança contra incêndio. Depois, conforme o que a vistoria do bombeiro detectar, é solicitada uma ART para equipamentos específicos, como instalações de gás ou estruturas metálicas, por exemplo.
Fontes
– Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo;
– SEGUR: Coordenadoria de Atividade Especial e Segurança do Uso (órgão que sucedeu o Contru / Departamento de Controle do Uso de Imóveis, na Secretaria da Habitação e Desenvolvimento Urbano de São Paulo).
Colaborou o Advogado João Paulo Rossi Paschoal.
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