Na área comum do condomínio, o que vale mais? Estatuto do Idoso, Estatuto da Criança e Adolescentes ou Lei da Acessibilidade?

Em condomínio edilício, podemos aplicar, sem medo, as palavras contidas na Exposição de Motivos do Supervisor da Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, Prof. Dr. Miguel Reale (Tópico – Necessidade da Atualização do Código Civil), que diziam:

“Superado de vez o individualismo (…), para que a pessoa humana seja preservada sem privilégios e exclusivismos, numa ordem global de comum participação, não pode ser julgada temerária, mas antes urgente e indispensável, a renovação dos códigos atuais, como uma das mais nobres e corajosas metas de governo.”

Desta forma, aliado ao conceito maior da Constituição Federal de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei (Art. 5, II), o atual Código Civil brasileiro (Lei Federal 10.406/2002) nasceu com a possibilidade de os condomínios se auto regulamentarem (conforme seu Art. 1334) no tocante às regras administrativas e comportamentais.

Reforça esta ideia da auto regulamentação outro artigo do Código Civil, o 1.341, segundo o qual, para assuntos relacionados a obras em áreas comuns condominiais, tem-se o primado da participação da coletividade em debates e deliberações, desde que atendidos os quóruns qualificados.

No entanto, ao se auto regulamentar, a coletividade não pode fugir dos limites que outras normas jurídicas impõem, prejudicando ou impondo condições que afrontem a dignidade ou os direitos fundamentais de cada morador ou condômino, o que, por si só, se encontra garantido por lei.

Assim, o que fazer quando em obras nas áreas comuns, se privilegia o atendimento às necessidades das crianças em detrimento do sossego dos idosos? Ou se restringe os espaços de lazer em favorecimento do sossego e acessibilidade, sendo que todos esses públicos envolvidos (crianças, idosos e pessoas com mobilidade reduzida) possuem uma proteção estatal por lei?

A resposta está no bom senso e no interpretar a legislação de forma técnica. A própria interpretação do Código Civil induz e garante ao gestor condominial (síndico), na qualidade de representante da coletividade (conforme os Art. 1.347 e 1.348), a prerrogativa de buscar o equilíbrio das deliberações, informando a coletividade de todos os pontos positivos e negativos de cada tomada de decisão.

De outro modo, cabe aos condôminos usar das partes comuns sem que isso exclua os demais compossuidores, além de fazer de maneira a não prejudicar o sossego, a salubridade, a segurança e os bons costumes (Art. 1.335, Inciso II e IV).

A regra não é única, cabem divergências e protecionismos, porém, para cada decisão devem ser considerados o conceito imobiliário e arquitetônico da edificação; os espaços comuns existentes; o interesse real atual e futuro dos ocupantes e proprietários; e as normas legais. Não há uma tabela ou prevalência de leis entre Estatuto do Idoso, Estatuto da Criança e Adolescentes ou Lei da Acessibilidade.

Cabe assim a cada condomínio deliberar conforme um caso concreto, avaliando os pareceres técnicos (incluído jurídico), com bom senso e sem individualismo, primando pela inclusão e respeito a todos os direitos protegidos, em um conceito de harmonização de ideais e pertencimento de cada condômino e morador, que levará a uma pacificação de conflitos e confrontos, uma vez que os direitos não se excluem, mas se compõem para uma sociedade evoluída, pela preservação patrimonial.


Matéria publicada na edição – 254 – março/2020 da Revista Direcional Condomínios

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