Março – mês das chuvas: O condômino cidadão e sua responsabilidade pelas condições ambientais da cidade

“Cidade, para ser saudável, precisa ter aeração, insolação, iluminação e muito verde. E como atingir este padrão bom de qualidade? Como garantir uma condição de vida adequada para o ser humano?”

Muito bem. Março é o mês das chuvas, e com elas chegam algumas soluções e alguns problemas para a cidade. A limpeza da cidade, o molhar as plantas, e, mais que tudo, o abastecimento das represas que fornecem água para os 20 milhões de habitantes da zona metropolitana de São Paulo (39 municípios). Para tudo isso as chuvas são parte da solução. Mais: para verificar como estão as bocas de lobo e as galerias de águas pluviais, as chuvas também são a solução, e acionam os termômetros urbanos de como se tem mantido a infraestrutura da região.

Água é feita para escoar, e para o mar ou a lagoa. E assim, neste caminho, das águas, é que na medida em que ocorrem as enchentes, aparecem os problemas decorrentes do mau uso do solo, e de sua distribuição entre os usos das cidades. Explico: a cidade, como qualquer ambiente (meio ambiente), é construído pela população que o ocupa.

A urbanização tem sido a forma preponderante utilizada como uso e ocupação das áreas habitáveis do planeta, e especialmente nos países subdesenvolvidos como o Brasil, alcança percentuais da ordem de 85% das pessoas vivendo em cidades. Às vezes nos perguntamos: como deixamos isso acontecer? E agora, o que fazer?

De longa data, os arquitetos já prognosticaram: cidade, para ser saudável, precisa ter aeração, insolação, iluminação e muito verde. E como atingir este padrão bom de qualidade? Como garantir uma condição de vida adequada para o ser humano?

As notícias dão conta de um aquecimento global, o que nos leva à ideia de que o ambiente está se tornando desértico, seco, e sujeito a maiores precipitações de chuva, porém pontuais. São Paulo, que um dia foi chamado de “terra da garoa”, passa ao longo dos anos a ser terra onde chove pouco, e quando chove, chove muito. Os invernos têm se tornado cada vez mais áridos, e o ar cada vez mais seco. E os verões, que neste pelo qual estamos passando, ficou bem mais quente e com pouca chuva.

Chuvas de verão revelam “que o sistema não dá conta”

“A imagem é de um imenso coador – se tem milhares de pontos de passagem do líquido ele escoa bem; e se estes pontos estão fechados (com impermeabilização), ou entupidos (com resíduos), a água acumula aguardando passagem – simples assim. Desta imagem fica fácil de perceber a causa das enchentes.”

Março chegou, e com ele as chuvas. A cidade mostra em seus termômetros que suas galerias de escoamento de água estão obstruídas, com falta de manutenção, e talvez ainda com muito resíduo carreado das calçadas e das ruas para seu interior, entupindo este escoadouro. As responsabilidades pela varrição, coleta e destinação dos resíduos sólidos que a população produz é da Prefeitura. Pense bem, se cada habitante produz em média 1,1 kg de resíduos sólidos por dia, este número multiplicado por 20 milhões, dá conta do desafio que corresponde a manter esta região adequada para a vida humana.

Este material todo – diário! – tem uma destinação que retrata o subdesenvolvimento do país – é levado para os aterros sanitários e mesmo ainda para os lixões em grande parte do território nacional. São montanhas de lixo sendo armazenadas dia a dia, e mais que isso, sendo levadas por caminhões até este destino. Todos os dias esta população coloca seus resíduos em sacos, leva para as calçadas, são recolhidos por garis e lixeiros, colocados em milhares de caminhões e levados ao seu destino. O impacto na mobilidade urbana é uma observação e constatação lógica.

Por outro lado, outro “lugar” de escoamento das águas é justamente o solo, que na medida de sua impermeabilização faz destinar estes efluentes em maior quantidade para as galerias de água pluvial. O que se tem observado é que o sistema “não dá conta”. Se pensarmos em quanto faltam áreas verdes distribuídas pela zona metropolitana, também é lógico que a estrutura é carente de micro porosidades para este escoamento – dizer que a Cantareira ao norte e os mananciais ao sul resolvem a questão não é uma verdade. O verde tem que ser distribuído por toda a extensão da malha urbana. A imagem é de um imenso coador – se tem milhares de pontos de passagem do líquido ele escoa bem; e se estes pontos estão fechados (com impermeabilização), ou entupidos (com resíduos), a água acumula aguardando passagem – simples assim. Desta imagem fica fácil de perceber a causa das enchentes.

O que o setor público deve fazer?

“O importante, e urgente, ao menos nas próximas décadas, é pensar em como abrir mais pontos verdes e de absorção das águas.”

Mas então, de novo: o que fazer? Cabe a cada indivíduo colaborar com sua parte no bolo. Certa feita uma pessoa questionou a Madre Tereza de Calcutá: de que adianta fazer qualquer coisa individualmente se sou apenas uma gota neste oceano? E ela respondeu: mas senhora, do que é feito o oceano se não de gotas? O que se faz necessário é justamente abrir novos pontos de escoamento deste imenso coador.

Na medida em que o solo é cada vez mais impermeabilizado, e a cobertura vegetal é suprimida, os problemas se agravam. Uma das recomendações para dirigir esta tendência em outra direção que não o caos, de política macro ambiental, é fazer um estudo, por micro regiões, considerando-se parâmetros que estabeleçam um padrão de qualidade neste quesito de absorção e do escoamento das águas.

Por exemplo, quando da aprovação de empreendimentos imobiliários, se deve pensar na proporção de áreas verdes, na proporção de solo livre, e mesmo no tipo de tratamento da cobertura de áreas livres construídas com elementos permeáveis. Os impactos das posturas municipais nesta análise da construção das cidades reverberam para toda a zona metropolitana, e deverão ser inseridos na análise dos licenciamentos construtivos urbanos. O importante, e urgente, ao menos nas próximas décadas, é pensar em como abrir mais pontos verdes e de absorção das águas. Outra área de alto potencial de absorção das águas, em razão especialmente de sua extensão na estrutura urbana, são os calçamentos. Quanto mais árvores e áreas verdes pulverizadas neste tratamento, mais o coador estará livre para a absorção; e quanto mais árvores colocadas nestes locais, menor será o impacto da velocidade do escoamento das águas.

O papel dos cidadãos e dos condomínios

“O uso racional dos recursos materiais, a produção de menos resíduos, e especialmente a separação dos resíduos sólidos dos orgânicos para a reciclagem, a reutilização e o reaproveitamento devem representar uma nova postura cidadã. O cuidado com as calçadas, sua varrição (mesmo considerando o serviço público realizado), são posturas cidadãs que levam nesta boa direção…”

E qual a postura cidadã que se deve esperar de cada um destes 20 milhões? O cuidado com estas áreas verdes e o cuidado com a limpeza da cidade devem representar uma nova cultura urbana, e mais que isso, uma ética urbana que perceba que cada ato individual tem um alto potencial de influência para o todo da comunidade urbanizada. As folhas e terra não devem ser percebidas como sujeira e, se manipulados adequadamente, podem representar uma parte dos medicamentos para os problemas urbanos que estamos enfrentando. O uso racional dos recursos materiais, a produção de menos resíduos, e especialmente a separação dos resíduos sólidos dos orgânicos para a reciclagem, a reutilização e o reaproveitamento devem representar uma nova postura cidadã. O cuidado com as calçadas, sua varrição (mesmo considerando o serviço público realizado), são posturas cidadãs que levam nesta boa direção. No atual “estado da arte” urbana, não adianta dizer “eu pago imposto por isso”, precisa saber que tem uma responsabilidade de cidadão a todo o momento, responsabilidade de cuidar da cidade, das áreas públicas e mesmo desde as áreas privadas. Uma coisa é “pagar por”, e outra coisa é “cuidar de” – é o cidadão quem está mais próximo de cada parte da cidade por onde passa.

Neste sentido, o condomínio pode representar uma organização que resulte em uma força adicional. Cada comunidade condominial tem a responsabilidade, uma vez que ocupa e adensa o solo, em cuidar mais desta área.. E o segredo passa pela organização interna de cada um conjunto de habitantes. As áreas comuns de cada condomínio têm que receber o cuidado de todos seus usuários; e as áreas comuns urbanas (calçamentos especialmente), devem receber este olhar da mesma forma. Outra possibilidade importante, onde as soluções tecnológicas já estão disponíveis, é a implantação de telhados verdes, ou tetos verdes, e mesmo de fachadas verdes. Estas soluções, além de contribuir com a questão das águas, trazem uma substancial contribuição com o aquecimento urbano em geral, e além de tornar o ambiente esteticamente mais agradável, contribui substanciosamente com o aquecimento ou não das próprias unidades imobiliárias. Esta é a responsabilidade cidadã do condomínio para a construção de um ambiente mais adequado para a vida nas urbanizações.

 

São Paulo, 14 de março de 2014

Autor

  • Michel Rosenthal Wagner

    Advogado graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1983) e mestre pela Pontifícia Universidade Católica de SP (2014). Especialista em Direito Imobiliário, Contratos, Direito Educacional e Arbitragem. Preside as Comissões de Direito Imobiliário e de Direito de Vizinhança e Urbanístico da OAB/SP – Seccional Pinheiros. É membro da Comissão Especial de Estudos sobre Educação e Prevenção de Drogas e afins da OAB/SP, prestador de serviços jurídicos de atendimento a famílias e dependentes no CRATOD (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e afins), além da Casa de Passagem (Programas do governo do Estado de São Paulo). Autor da obra “Situações de Vizinhança no Condomínio Edilício, desenvolvimento sustentável das cidades, mediação e paz social” (Editora Millennium, 2015). Consultor sócio-ambiental em Vizinhança urbana, professor, palestrante e escritor. Mediador de diálogos em conflitos coletivos urbanos.

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