Assembleia virtual: fazer ou não fazer? Lei ausente, judiciário presente. E a pandemia?

O tema da assembleia virtual traz um dilema: Segurança jurídica versus necessidade real. Encontramo-nos nessa situação por uma razão simples: O legislativo está em débito com a sociedade. Falta previsão legal, o que coloca os condomínios em uma situação frágil.

De acordo com Maya Garcia Câmera, a assembleia remota ou virtual surgiu nos EUA e depois foi se espalhando para o Canadá, países da Europa e outras localidades em que a multipropriedade era prevista no ordenamento. O modelo americano foi sendo replicado e a intenção desse tipo de assembleia era aproximar os multiproprietários, vez que são proprietários que muitas vezes residem em locais distantes, sendo impossível uma assembleia presencial. A lei da multipropriedade só veio em 2018, mas antes mesmo da previsão legal (Art. 1.358 da Lei 13.777), a assembleia virtual já era aplicada para esse tipo de empreendimento. Assim como já é aplicada para condomínios por plataformas reconhecidas no mercado, mesmo ausente de previsão legal específica para o tema.

Por um lado, vejamos que a expulsão do condômino antissocial também não está prevista em lei, mas é situação abordada no âmbito jurisprudencial. Por outro lado, a reforma trabalhista trouxe inovações legislativas e mesmo assim o cenário de insegurança jurídica é implacável diante de interpretações divergentes no âmbito do Poder Judiciário. Exemplificando, em 23 de março de 2020, o Juiz João de Oliveira Rodrigues Filho, titular da 1a Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca da Capital de São Paulo, permitiu a realização de Assembleia Geral de Credores de forma virtual no processo de recuperação judicial da Odebrecht. Uma das questões enfrentadas foi exatamente a falta de previsão legal para a realização de Assembleia de forma virtual.

Ou seja, existem situações que fogem da limitada previsão do legislador e que merecem mais bem cuidado dos aplicadores do Direito. No julgamento, várias foram as citações a juristas renomados para permitir a assembleia virtual, inclusive citando o isolamento social, e: “(…) a realização da AGC em ambiente virtual é medida que se coaduna com o respeito às medidas de distanciamento social promulgadas pelos órgãos do Poder Executivo e do Poder Judiciário, sem prejuízo da busca pelo soerguimento da atividade por meio da continuidade da discussão e votação do PRJ apresentado pelas recuperandas. (…)”.

A recomendação dos mais conservadores para que se faça uma assembleia virtual com a maior segurança jurídica possível é que se inclua na Convenção condominial a possibilidade desse formato de assembleia, tendo em vista que o Art. 1.350 do Código Civil prevê a convocação da assembleia na forma prevista em referido instrumento.

Entretanto, deve-se também considerar que no âmbito do Direito privado, tudo que não é proibido está permitido, e fato é que não há proibição legal. Nesse cenário, fato é que vivemos na era da inteligência artificial, da 4ª Revolução Industrial, e a jurisprudência brasileira já vem entendendo tal possibilidade de realização das assembleias virtuais. A própria lei de sociedades anônimas que é de 1976 já a prevê.

Obviamente que todo excesso e abuso de direito precisam ser coibidos, especialmente num Estado de Anormalidade (ou Exceção) em que estamos vivendo. Atualmente, temos no âmbito do Congresso Nacional dois projetos de lei que tratam do tema: O PL 548, da senadora Soraya Thronicke, que se encontra na Câmara dos Deputados desde Dezembro de 2019 para emendas; e o PL 1.179/2020, que dispõe sobre o regime jurídico emergencial e transitório, que se encontra na Câmara dos Deputados para votação.

Qualquer alteração substancial nos projetos na Câmara, eles voltam para votação no Senado. Há entendimentos de que ambos os projetos são rasos e não regulamentam, como deveriam, a problemática da assembleia virtual na prática condominial. O PL 548 trata da aplicação de uma assembleia híbrida quando o quórum especial não for atingido, podendo ser levada para a esfera virtual quando assim previsto no edital de convocação e com a disponibilização de uma plataforma idônea pela administração, devendo-se fazer uma ata parcial do módulo presencial da qual constarão os argumentos trazidos na parte presencial.

Já no PL 1.179 aplicar-se-á a assembleia virtual em caráter transitório e emergencial, incluindo assuntos como a destituição do síndico, eleição, prestação de contas, previsão orçamentária, aprovar contribuições dos condôminos, e Regimento Interno, entre outros. Destacando-se que também prorroga automaticamente os mandatos que vencidos a partir de 20 de março de 2020 até a data de 30 de outubro de 2020.

Por outro viés, parece-me que ao não regulamentar pormenorizadamente a situação, caberá à Convenção disciplinar e adaptar a situação a determinado condomínio, escolhendo a plataforma, o formato de assembleia, se híbrida ou não, entre outros detalhes.

Miguel Zaim, nessa situação, chama a atenção para a existência da ata notarial como prova nessas situações eletrônicas. Essa é uma prova dotada de fé pública que retrata os fatos ocorridos e só será contestável por meio de incidente de falsidade. Assim, chama-se a atenção para um fato: Mesmo que haja previsão legal, não se estará diante de uma situação totalmente segura, porque novidades sempre trazem questões polêmicas até que a situação seja pacificada, como tem sido com o Airbnb.

O que cabe aos aplicadores do Direito é avaliar o risco em cada condomínio e as possibilidades de aplicação dessa modalidade em cada empreendimento, assim como feito no início da portaria virtual. É preciso coragem, audácia, técnica e criatividade para se aproveitar do arcabouço jurídico atualmente existente e levar soluções inovadoras aos síndicos, pois a assembleia virtual já é um fato e uma realidade. Não se pode esperar a legislação faça o trabalho por nós, pois cabe a nós forçarmos que ela venha e se adeque ao mundo. A dinâmica da sociedade será sempre mais rápida que a legislação.

Nesse sentido, propõe-se que as minutas das convenções arquivadas nos cartórios quando da incorporação passem a incluir a possibilidade da assembleia virtual, delegando ao Regimento Interno que discipline os detalhes. Sabemos que muitas vezes essas minutas sequer são feitas por aplicadores do Direito e muitas vezes não são adequadas para a realidade do condomínio a ser constituído, razão pela qual a Assembleia Geral de Instalação é momento para se prestar atenção à Convenção que se está aprovando. Exige dos profissionais envolvidos neste momento uma atenção mais do que especial.


Matéria complementar da edição – 256 – maio/2020 da Revista Direcional Condomínios

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Autor

  • Amanda Lobão

    Sócia do Lobão Advogados, palestrante de eventos nacionais e internacionais do mercado imobiliário, além de colunista de mídias especializadas na área. É Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP e membro Efetivo da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/SP. Foi premiada pela Associação dos Empresários do Mercosul e pela Latin American Quality Institute com o prêmio “Empreendedores de Sucesso” e ” Empresa Brasileira do Ano de 2018”. Autora e Organizadora de livros.

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