O conceito de desempenho de edificações e o seu impacto nos condomínios

Apesar de a ABNT NBR 15.575 ser aplicável apenas nas edificações que tiveram seus projetos protocolados após 19 de julho de 2013, o conceito trazido pela norma pode auxiliar os planos de manutenção e inspeções prediais de edificações antigas.

1 – Introdução

O conceito de desempenho aplicado às edificações é equivalente ao seu comportamento durante a exposição ao meio e à ação dos usuários (BLACHERE, 1974). Sua abordagem se dá em pensar mais nos fins do que nos meios de construção (GIBSON, 1982).

Esta abordagem de desempenho difere muito do praticado pela construção civil brasileira e internacional em sua história, que sempre o fizeram de maneira prescritiva (dando sempre receitas prontas de como executar), o que enrijece os processos construtivos e inibe a inovação, pois se permite apenas seguir as receitas normativas. Essa barreira “prescritivista” teve de ser rompida pela Europa após a 2ªGGM 2ª Grande Guerra Mundial), para uma reconstrução rápida e econômica das cidades, e para o Brasil, na década de 1980, para suprir uma carência habitacional da classe mais pobre. Tendo suas diretrizes fundadas pelo IPT (1981), com estudos voltados para construções de edifícios de interesse social, mas que hoje se aplica a todas as edificações habitacionais por meio de norma técnica ABNT NBR 15.575 (2013).

Por isso do grande impacto pela publicação da ABNT NBR 15.575, em 19 de fevereiro de 2013, que veio mudar a forma de projetar, executar e avaliar as edificações, permitindo que sejam usados sistemas construtivos novos (desde que estes atendam aos requisitos e critérios estabelecidos na Norma). Os requisitos e critérios são definidos visando a atender às necessidades dos usuários (conforme quadro abaixo), com um viés à saúde, à segurança e ao conforto.

Quadro – Necessidades e exigências dos usuários (Ver nota ao final do quadro)

Requisito

Exemplo

Segurança

Segurança estrutural

Resistência mecânica e ações estáticas e dinâmicas; efeitos climáticos (fadiga)

Segurança contra incêndio

Risco de propagação de chamas; efeitos fisiológicos (controle de fumaça e ventilação); Tempo de alarme, tempo de evacuação e tempo de sobrevivência

Segurança no uso e operação

Proteção contra explosões e queimaduras; proteção contra movimentos mecânicos; proteção contra choques elétricos; proteção contra radioatividade; segurança durante movimentos e circulação; segurança contra intrusão humana ou animal

Habitabilidade

Estanqueidade

Estanqueidade à água; estanqueidade ao ar; controle de intrusão de poeira

Desempenho térmico

Controle da temperatura do ar e radiação térmica

Desempenho acústico

Controle de ruídos (contínuos e intermitentes); inteligibilidade do som; tempo de reverberação

Desempenho lumínico

Controle da iluminação natural e artificial; insolação; nível de iluminância contraste de luminância; possibilidade de escurecimento;
aspectos de acabamento (cor, textura, regularidade); contato visual (internamente e com o mundo exterior)

Saúde, higiene e qualidade do ar

Instalações para o cuidado do corpo humano; suprimento de água limpa; evacuação das águas servidas; materiais e fumaça; ventilação; controle de odores; controle de gases tóxicos

Funcionalidade e acessibilidade

Número; tamanho; geometria e inter-relações dos espaços; provisão de serviços e equipamentos; flexibilidade

Conforto tátil e antropodinâmico

Limitações de acelerações e vibrações; aspecto de resistência e manobrabilidade humana; aspereza e flexibilidade das superfícies; umidade e temperatura nas superfícies; ausência de descargas de eletricidade estática

Sustentabilidade

Durabilidade

Conservação do desempenho durante toda vida útil

Manutenibilidade

Possibilidade de manutenção e reposição

Adequação ambiental

Minimizar alterações, impactos ambientais durante o ciclo de vida da edificação, assim como o consumo de recursos naturais

Fonte: Adaptado de ABNT NBR 15575 (2013); ISO 19208 (2016).

Nota: ABNT NBR 15575/2013 não traz todos os requisitos de desempenho da ISO 19.208/2016, como, por exemplo possibilidade de escurecimento; contato visual; limitação de vibrações; eletricidade estática etc.

A grande dificuldade desta abordagem é definir os requisitos adequando, que envolvam todas as necessidades dos usuários. Tal tarefa é complexa e pode ser comprometida por limitações de custo de material/execução; forma de avaliação; ou pela própria carência de conhecimento científico. Mas, de um modo geral, a abordagem por desempenho é uma tendência internacional sem volta. E como Albert Einstein disse: “A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original”. A frase, no contexto desse artigo, pode ser lida como: “não é possível impedir a marcha incessante pelo progresso”.

2 – Impacto nos condomínios

Apesar de a ABNT NBR 15.575 ser aplicável apenas nas edificações que tiveram seus projetos protocolados após 19 de julho de 2013, o conceito trazido pela norma pode auxiliar os planos de manutenção e inspeções prediais de edificações antigas.

Pela abordagem de desempenho, é possível entender melhor o que se espera de uma edificação – ela tem que ter um desempenho mínimo que garanta a habitabilidade, segurança e sustentabilidade da edificação. Portanto, eventuais anomalias que surjam podem ser mais bem avaliadas com este viés, dirimindo dúvidas sobre algumas reclamações de usuários. Por exemplo, uma fissura em parede interna, que não comprometa a estanqueidade, segurança estrutural e durabilidade, pode facilmente ser entendida como não sendo um problema que envolve perda de desempenho; talvez uma perda estética, seria uma avaliação subjetiva e de outra monta de grandeza. Portanto, tendo o conhecimento sobre o conceito de desempenho e seus requisitos, a avaliação de irregularidades torna-se mais objetiva e pragmática.

Outro aspecto importante trazido pela norma de desempenho está nos itens referentes aos métodos mais adequados para avaliação de cada um dos critérios de desempenho de cada sistema. Isso facilita uma eventual investigação de manifestações patológicas, quanto a identificações de causas e origens, e o que se espera do comportamento daquele sistema (por exemplo, limite de fissuras, deformações etc.).

3 – Conclusão

Como apresentado, o conceito de desempenho de edificações é um tema relativamente recente para o mercado, porém, já é estudado há bastante tempo, e que veio trazer grande impacto na qualidade e entendimento do comportamento das edificações. Devendo ser estudado tanto por profissionais de engenharia e arquitetura, como gestores de manutenção e patrimônio, para melhor compreensão de eventuais anomalias que venham a presenciar, facilitando seu entendimento e avaliação.

Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15.575: Edificações habitacionais – desempenho. Partes 1 a 6. Rio de Janeiro, 2013.
BLACHER, G. Savoir bâtir. Paris, Eyrolles, 1974 apud CHEVALIER, Jean-Luc (a), HANS, Julien (a). Performance based approach french state of art, 2003. 343 p.
GISBSON, E. J. Coord. Working with the performance approach in building. Rotterdam. CIB W060. 1982. (CIB State of the art report n. 64).
INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS (IPT). Formulação de critérios para avaliação do desempenho de habitações. São Paulo, 1981. 107 p. (Relatório n. 16277).
______. Critérios mínimos de desempenho para habitações de interesse social. São Paulo, 1997. 84 p.
INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION (ISO). ISO 19208: Framework for specifying performance in buildings. Suíça, 2016.


Não reproduza o conteúdo sem autorização do Grupo Direcional. Este site está protegido pela Lei de Direitos Autorais. (Lei 9610 de 19/02/1998), sua reprodução total ou parcial é proibida nos termos da Lei.


Autores

  • Marcus Vinícius Fernandes Grossi

    Engenheiro Civil, é doutorando em tecnologia da construção pela USP; mestre em Tecnologia da Construção de Habitações pelo IPT; especialista em Excelência Construtiva e Anomalias pelo Mackenzie; em Gestão e Tecnologia da Construção pela POLI-USP; Inspetor de Estruturas de Concreto pelo IBRACON, ABECE e ALCONPAT. Atua como Perito Judicial, Assistente Técnico da Defensoria Pública e Ministério Público do Estado de São Paulo; professor universitário; palestrante de cursos de perícia e patologia das construções. É sócio-gerente da Fernandes & Grossi Consultoria e Perícias de Engenharia, onde atua com consultoria, perícias de engenharia, inspeção predial, entrega de obras, auditoria de projetos, normatização técnica, desempenho e qualidade das construções. Atualmente é membro da Divisão Técnica de Patologia das Construções do Instituto de Engenharia e associado da ALCONPAT - Associação Brasileira de Patologia das Construções. Lançou a obra “Inspeção e Recebimento de Obras/Edificações Habitacionais” (LEUD Editora, 2020).

  • Jornalismo Direcional

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

três × 3 =