Podemos reformar nosso condomínio sem a autorização do arquiteto autor do projeto?

“Há legislação específica que trata do assunto e deve ser cumprida, mormente pelos condomínios. (…) Portanto, não me parece razoável que reformas sejam realizadas sem a autorização do autor do projeto, sob pena de incorrer o condomínio em infração legal e ser responsabilizado com o pagamento de indenização.”

Obras de manutenção, reformas, adequações e até mesmo retrofit são comuns nas edificações e, muitas delas, inevitáveis. Há desde intervenções como o envidraçamento de sacadas até mesmo a total alteração do projeto arquitetônico original visando à modernização dos condomínios.

Em livro de minha autoria – “Respostas às 120 Dúvidas Mais Frequentes em Matéria Condominial” (Editora Albatroz, 2017) – trago uma glosa das obras nas edificações, ao esclarecer que o Art. 96 do Código Civil (Lei Federal 10.406/2002) as delineia como:

Úteis: Relativas àquelas que aumentam a utilização de algo. Por exemplo, um portão de trancado a chave pode ser substituído por um modelo com fechamento automático;

Necessárias: São as que contribuem para que a vida no condomínio seja segura, saudável, harmoniosa. Por exemplo, a limpeza das caixas d´água e a recarga de extintores; e as,

Voluptuárias: Dizem respeito a obras que venham a promover bem-estar, agrado, deleite etc. É o caso da modernização do hall social.

Portanto, essas obras podem ser preventivas, corretivas, emergenciais, cosméticas, tardias ou preditivas (especializadas e técnicas), e servem para dar maior durabilidade, uso e vida útil aos equipamentos. Destaca-se que o síndico que não faz manutenção obrigatória do seu condomínio poderá ser responsabilizado por tal negligência, inclusive há previsão específica no Código Civil, no Art. 937.

Importante explicar ainda que existe um conjunto de regras a ser observado, o qual é elaborado pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), uma entidade privada e sem fins lucrativos, que foi reconhecida pela Lei Federal 4.150, de 21 de novembro de 1962, como órgão apto a expedir normatização sobre uma série de serviços e produtos. São as NBR´s, uma abreviatura que designa normas técnicas brasileiras, adotada para identificar o conjunto de regras de uso relativas às características de um determinado produto, compiladas com o objetivo de uniformizar e garantir o modo do seu funcionamento e segurança.

As principais normas (NBR) da ABNT aplicáveis aos condomínios são:

a) NBR 14.037/2014: Traz diretrizes para a elaboração dos manuais de manutenção das construções;

b) NBR 5.674/2012: Trata da manutenção que deve haver em todo o condomínio;

c) NBR 15.575/2013: Trata do desempenho, critérios de resistência, uso, proteção e conforto a todos os sistemas da edificação (térmico, acústico). Visa à segurança, sustentabilidade e habilidade das edificações e vem dividida em seis grandes partes; e,

d) NBR 16.280/2014: Cuida das reformas em áreas comuns e nas unidades internas.

Pois bem, após essa imprescindível conceituação de obras e as normas vigentes, não analisarei aqui as questões de quórum, mas um aspecto que na maioria das vezes não é abordado pelos síndicos e administradores: O direto autoral do arquiteto que elaborou o projeto. Ou seja, o condomínio pode alterar o projeto inicial sem ter a autorização formal do dono do projeto, o arquiteto?

Desde a fase da incorporação até a execução do empreendimento, existirá um arquiteto que elaborará um projeto nos exatos termos solicitados pela construtora idealizadora do empreendimento. Como todo profissional, o arquiteto está sujeito às disposições de sua entidade de classe, o CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo), bem como, a toda e qualquer legislação vigente no País, inclusive para protegê-los, como é o caso da Lei dos Diretos Autorais e a Resolução nº 67 do CAU, de 05/12/2013, dispositivos que amparam a autoria dos projetos.

Isso pode soar como desnecessário, afinal, uma vez que o profissional de arquitetura foi contratado e remunerado, o seu projeto passa a ser do contratante que teria, então, a liberdade para alterá-lo da melhor forma que lhe convém. Mas não é dessa forma simplista que devemos enxergar a situação.

No trabalho desenvolvido pelo arquiteto, além das questões de conhecimento sobre cálculos, analise de material etc., inegavelmente há criatividade envolvida, visando colocar no papel e depois em pé o desejo manifestado em palavras pelo seu contratante. Há uma obra intelectual realizada que deve ser protegida.

Cabe a esse profissional atento às novidades e aos anseios do seu contratante transformar um sonho em algo palpável, portanto, é justo que todo o seu empenho seja preservado, respeitando a sua autoria.

Deve-se ressaltar ainda que um projeto alterado de forma irregular, não apenas sem a autorização do seu idealizador, pode trazer problemas estruturais e ainda danos à imagem daquele, já que alterações serão feitas sem seu conhecimento. Por vezes a alteração é tênue, mas é uma alteração.  É tão justo pedir essa autorização quanto exigir do arquiteto ou engenheiro eventual reparação por falha no projeto.

Afora essas questões, como dito antes, há legislação específica que trata do assunto e deve ser cumprida, sobretudo pelos condomínios.

Dizem os Art. 2º e 16 da Resolução 67 do CAU-BR: 

“ART. 2° Constituem obras intelectuais protegidas, os projetos, obras e demais trabalhos técnicos de criação no âmbito da Arquitetura e Urbanismo, que conferem ao correspondente autor direitos autorais, em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, com a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, com a Lei n° 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, e demais dispositivos legais pertinentes.
Art. 16. Alterações em trabalho de autoria de arquiteto e urbanista, tanto em projeto como em obra dele resultante, somente poderão ser feitas mediante comprovação do consentimento por escrito do autor original ou, se existirem, de todos os coautores originais.”

E a Lei Federal 9.610/98, que trata da legislação referente aos direitos autorais e conexos, assegura ao autor a proteção aos direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou em seu Art. 22. Já o Art. 7º, Inciso X, do ato normativo referido, expressa que são obras intelectuais protegidas “os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência”. Não pode ser esquecido, também, o Inciso XXVII do Art. 5º da Constituição Federal de 1988, que assegura aos autores o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras.

Tudo evoluiu e o direito de propriedade intelectual também, mormente os relacionados às diversas estratégicas das empresas e até de instituições públicas, e logicamente com as obras e seus autores não seria diferente. Atualmente, profissionais do Direito se especializaram nessa área de proteção à propriedade intelectual, através da elaboração de contratos para o uso, licenciamento e processos para a proteção intelectual.

Portanto, não me parece razoável que reformas sejam realizadas sem a autorização do autor do projeto, sob pena de incorrer o condomínio em infração legal e ser responsabilizado com o pagamento de indenização.

Inclusive, nossos Tribunais de Justiça Estaduais e o Superior Tribunal de Justiça já deferiram pedidos de indenização em razão da infringência dos direitos autorais de arquitetos com alteração sem consentimento em seus projetos. Vejamos:

EMBARGOS INFRINGENTES. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DIREITO AUTORAL. USO DESAUTORIZADO E ALTERAÇÃO DE PROJETOS DE ENGENHARIA E ARQUITETURA SEM AUTORIZAÇÃO. VIOLAÇÃO DO DIREITO AUTORAL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS. UNÂNIME. (Tribunais de Justiça – TJRS, EMBARGOS INFRINGENTES nº 70032797680, DÉCIMO GRUPO CÍVEL, Relator: GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN, Canoas, V.U., Julgado em 28.05.2010)

EMENTA – DIREITO AUTORAL. PROJETO ARQUITETÔNICO. ALTERAÇÃO POR OUTRO PROFISSIONAL A PEDIDO DE QUEM ENCOMENDOU E COMPROU O PROJETO. IMPOSSIBILIDADE. SALVAGUARDA AO DIREITO AUTORAL DO PROFISSIONAL ARQUITETO. APELO QUE SE CONHECE E NEGA PROVIMENTO. – Ao profissional arquiteto é salvaguardado o direito autoral de seus projetos, não sendo possível a alteração do mesmo sem expressa autorização ou recusa, não se vislumbrando nos autos nenhuma destas hipóteses. Tribunais de Justiça – TJAM, Apelação nº 0718463-41.2012.8.04.0001, Segunda Câmara Cível, Relator: Wellington José de Araújo, Manaus, V.U., Julgado em 07.11.2016).

RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. CERCEAMENTO DE DEFESA. OBRAS INTELECTUAIS. PROJETO ARQUITETÔNICO. LEI N. 9.610/1998. CESSÃO DE DIREITOS PATRIMONIAIS. MODIFICAÇÃO DO PROJETO ORIGINAL. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. Não há se falar em violação ao Art. 535 do CPC, quando embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria posta a exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente. 2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que cabe ao magistrado, respeitando os limites adotados pelo Código de Processo Civil, dirigir a instrução e deferir a produção probatória que considerar necessária à formação do seu convencimento. 3. São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, compreendendo entre elas, os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à arquitetura (Art. 7º, Lei n. 9.610/1998) 4. Emergem direitos morais e patrimoniais da criação intelectual para o autor, sendo patrimoniais os que concedem o direito de utilizar, fruir e dispor da obra, na sua totalidade ou parte, regulando as relações jurídicas da utilização econômica. 5. Quando a obra de arquitetura nasce sob encomenda, caberá às partes contratantes a especificação quanto à cessão dos direitos patrimoniais, que, então, se circunscreverá aos limites do ajuste, tornando, outrossim, ilícitos usos que extrapolem a referida cessão. 6. Em princípio, as alterações do projeto original só poderão ser feitas pelo profissional que o tenha elaborado, mas estando este impedido ou recusando-se a fazer, comprovada a solicitação, as alterações poderão ser feitas por outro profissional habilitado, a quem caberá sua responsabilidade a partir de então. 7. Recurso especial não provido. (Superior Tribunal de Justiça, RECURSO ESPECIAL nº 1.290.112, QUARTA TURMA, Relator: LUIS FELIPE SALOMÃO, Paraná, V.U., Julgado em 03.05.2016).

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE CERTIDÃO. PROJETOS ARQUITETÔNICOS ELABORADOS PELA IMPETRANTE PARA CONSTRUÇÃO DE PRÉDIOS DA JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL. ALEGADA ALTERAÇÃO SEM CONSENTIMENTO DA AUTORA. EVENTUAIS DIREITOS A SEREM RESGUARDADOS. PEDIDO DE CERTIDÃO DOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS QUE CONTÉM OS ELEMENTOS A RESPEITO. RECUSA. DESCABIMENTO. CF, ART. 5º, INCISO XXXIV, “B”. RECURSO ORDINÁRIO. PROVIMENTO. WRIT CONCEDIDO. I. Alegado pela impetrante, servidora e arquiteta que elaborou os projetos originais de prédios da Justiça do Distrito Federal, que houve alteração dos mesmos, o que eventualmente pode gerar responsabilidades para si e eventualmente ferir alegados direitos autorais seus, configura-se o interesse em obter certidões dos processos administrativos pertinentes, cuja negativa em concedê-las pelo Tribunal a quo importa em ofensa ao Art. 5º, Inciso XXXIV, letra “b”, da Carta Política. II. Recurso ordinário provido, para conceder a segurança. (Superior Tribunal de Justiça, RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA nº 10.310, Quarta Turma, Relator: ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Distrito Federal, V.U Julgado em 07.02.2006).

Logicamente há decisões indeferindo a indenização, sobretudo quando a adequação se refere ao melhor aproveitamento da obra pelos condôminos, todavia, evitar uma demanda judicial é o mais correto.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COMINATÓRIA C/C COM PEDIDO DE ANULAÇÃO DE DECISÃO DE ASSEMBLEIA DE CONDOMÍNIO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DECORRENTE DE VIOLAÇÃO A DIREITO AUTORAL POR ALTERAÇÃO DE PROJETO ARQUITETÔNICO. FECHAMENTO DE SACADAS COM VIDRO TRANSPARENTE E ESQUADRIAS FINAS, SEM ALTERAÇÃO PROEMINENTE DA FACHADA E, AINDA, SEM PREJUÍZO À HARMONIA DA EDIFICAÇÃO. PRELIMINAR DE NULIDADE DE SENTENÇA CITRA PETITA AFASTADA. RAZÕES RECURSAIS CALCADAS NA DISTINÇÃO QUE SE DEVE FAZER ENTRE A (IM)POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DA FACHADA DO EDIFÍCIO E A MODIFICAÇÃO DO PROJETO ORIGINAL SEM A ANUÊNCIA (E COM O REPÚDIO) DO AUTOR DA OBRA. ENVIDRAÇAMENTO DAS SACADAS QUE, NO CASO, NÃO TEVE O CONDÃO DE ALTERAR A CRIAÇÃO ARTÍSTICA DO APELANTE. DIREITO DOS CONDÔMINOS DE IMPLEMENTAR BENFEITORIAS E OBRAS QUE, SEM COLOCAR EM RISCO A ESTRUTURA ORIGINAL DA EDIFICAÇÃO OU A SUA HARMONIA, VIABILIZEM A MELHOR UTILIZAÇÃO DO BEM PELO SEU TITULAR. DEVER DE INDENIZAR NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. – A prática de envidraçar os espaços destinados a sacadas, varandas e terraços, como sói acontecer hodiernamente, seja por motivo de segurança ou para o melhor aproveitamento da área útil das unidades de edifício, deve ser antecipadamente considerada pelo arquiteto no exercício da sua atividade criadora. – Muito embora tenham direitos autorais resguardados relativamente às suas obras e criações, devem ter, por outro lado, o bom senso e a perfeita noção de que, nesta particular hipótese de planejamento arquitetônico de edifícios, aos destinatários finais da sua produção criativa, como legítimos proprietários das unidades autônomas, também é assegurada a possibilidade de implementar benfeitorias e obras que, sem colocar em risco a estrutura original da edificação ou a sua harmonia, viabilizem a melhor utilização do bem pelo seu titular. (Tribunais de Justiça – TJSC, Apelação Cível nº 2011.012066-7, Quarta Câmara de Direito Civil, Relator: Jorge Luis Costa Beber, Florianópolis, V.U., Julgado em 02.08.2012).

Recomenda-se, portanto, que antes da realização de qualquer obra no condomínio que se peça a autorização do arquiteto responsável pelo projeto inicial, caso não seja ele quem esteja realizando a alteração, principalmente obras que acarretem sobrepeso e afetem estrutura, afinal, a segurança deve estar em primeiro lugar, sem esquecer do cumprimento das leis municipais, estaduais etc., para que a obra seja regular.

Aliás, não sendo o mesmo arquiteto, o atual profissional deve fazê-lo também para se proteger da eventual alteração de projeto de colega seu sem a devida autorização. Se não localizado, é possível buscar seu endereço junto ao CAU e o envio de carta solicitando sua manifestação sobre a alteração do projeto, inclusive a anuência.

Já a dispensa de anuência no projeto também é uma forma de não ter que pedir autorização para alteração. Ou seja, na fase de contratação inicial é possível estipular cláusulas sobre a autorização para o futuro interesse na alteração do projeto.

Com essas simples medidas o condomínio se exime de transtornos imensuráveis e coloca em prática o respeito a todos os profissionais que se dedicaram para que o empreendimento virasse realidade, afinal, temos que abandonar a ideia do “jeitinho brasileiro”, tentando legalizar aquilo que está incorreto e sem a supervisão de profissionais técnicos e habilitados.


Matéria publicada na edição – 237 – agosto/2018 da Revista Direcional Condomínios

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Autor

  • Suse Paula Duarte Cruz

    Advogada. Graduada em Direito pela FADAP (Faculdade de Direito da Alta Paulista, 1995); Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD, 2011); pós-graduada e especialista em Direito Imobiliário pela PUC-MG (2022). Ministra cursos e palestras na área condominial. É autora do livro "Respostas às 120 dúvidas mais frequentes em matéria condominial" (Editora Autografia, 2017); coordenadora e coautora do livro "Direito Condominial Contemporâneo" (Editora Liberars, 2020) e coautora do livro "Direito Processual Civil Constitucionalizado" (Editora – Instituto Memória, 2020).

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