Várias maneiras de os síndicos lidarem com a inadimplência

“O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou jurisprudência no sentido de que os condomínios não podem utilizar medidas não pecuniárias contra o devedor (REsp 1.564.030), como a restrição do seu acesso a áreas comuns, ou a suspensão de serviços essenciais (REsp 1.401.815).”

A inadimplência em condomínios causa desequilíbrio nas contas e pode, nos casos mais severos, levar à interrupção da prestação de serviços básicos.

É certo que uma previsão orçamentária bem-feita leva em conta o histórico de recebimentos em atraso, já compensando essa falta com uma arrecadação maior. Mas o fato é que a inadimplência costuma irritar os bons pagadores, que, com razão, se sentem prejudicados por terem de bancar a conta alheia.

Quando o nível de inadimplência sobe além de um máximo tolerável, que supere aquele porcentual definido na previsão orçamentária anual, surge a necessidade de convocar a assembleia para aprovar um rateio extra a fim que cobrir a insuficiência de recursos para tocar o dia a dia do condomínio, o que sempre deixa indignada a parcela de condôminos que arca com suas obrigações em dia.

Numa cômoda tentativa de resolver ou, pelo menos, amenizar o problema, surgem, às vezes, propostas descabidas, como impedir os devedores de frequentar certas áreas comuns, como piscina, salão de festas e churrasqueira, e até de suprimir-lhes o fornecimento de serviços essenciais, como água ou gás, o que pode causar sérios problemas ao condomínio, que fica sujeito a ações judiciais de indenização por danos morais.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou jurisprudência no sentido de que os condomínios não podem utilizar medidas não pecuniárias contra o devedor (REsp 1.564.030), como a restrição do seu acesso a áreas comuns, ou a suspensão de serviços essenciais (REsp 1.401.815).

Outra forma questionável de lidar com a questão é contratar as “garantidoras”, que, em geral, são empresas denominadas Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FDICs) que compram os créditos com deságio e depois podem cobrar os devedores até mesmo em juízo, com multa, juros, correção monetária, custas e honorários de advogado. O problema é que esse deságio, de 6% numa consulta feita para este artigo, causa uma sangria na previsão orçamentária; logo, irão faltar recursos ao condomínio. Não é preciso nenhum grande esforço cognitivo para perceber que, neste caso, os bons pagadores bancam o custo dos devedores, porque o deságio é rateado por todos, uma vez que a os créditos adquiridos perfazem a totalidade da receita mensal do condomínio. Assim, sobre o valor a receber daquele condômino que, de qualquer forma, pagaria pontualmente, haverá um desconto de 6%!

Além das garantidoras, há o “desconto pontualidade”, que algumas jurisprudências consideram legal desde que não cumulado com a multa moratória de 2% (Apelação Sem Revisão SR 1210651002 TJSP e Apelação APL 201230178837 TJPA), ao passo que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) legitima o desconto cumulado com a multa. Embora validado pela Justiça, o desconto pontualidade viola um princípio lógico básico: o de que não se premia alguém por cumprir uma mera obrigação; o que se deve fazer é penalizar quem a descumpre; no caso, com a multa estabelecida pelo Código Civil.

A exemplo das garantidoras, o desconto pontualidade também gera uma redução, muito maior até, na previsão orçamentária, o que também fere a lógica, já que a previsão deve ser exata, não comportando qualquer desconto. Assim, só existe a possibilidade de desconto no pagamento das cotas se a previsão orçamentária for inflada, o que constitui um flagrante artifício a desmascarar a ilegalidade dessa modalidade de “incentivo” ao pagamento pontual.

A inadimplência só cresce a níveis intoleráveis por omissão do síndico, que tem o dever legal de cobrar os condôminos. Alguns não os cobram por simples descaso; outros, por pena, não sendo raro ouvirem-se argumentações de que o condômino está desempregado, ou com problemas de família, saúde etc.

É claro que, nestes casos, deve-se ter alguma tolerância com atrasos, podendo-se estabelecer um parcelamento, havendo, porém, um limite para isso porque, embora moradia seja algo essencial, a cota condominial é uma despesa como outra qualquer, que deve, portanto, ser cobrada com rigor. Aos que pensam de maneira diversa vale lembrar que, se alguém deixar de pagar a conta de energia ou o seguro saúde, por exemplo, sofrerá o corte no fornecimento e a interrupção da cobertura de assistência médica privada, itens tão essenciais quanto a moradia. A reforçar este argumento temos as ações de despejo por falta de pagamento, e podemos fazer aqui uma analogia à inadimplência das cotas condominiais, que, cobradas em juízo, poderão levar ao leilão do imóvel, o que, na prática, não deixa de ser uma espécie de despejo.

É também possível enquadrar o devedor contumaz no Artigo 1.337 do Código Civil, o que é, no entanto, uma empreitada difícil, já que exige um quórum muito alto, de ¾.

Alterar a convenção para aumentar a taxa de juros de mora também é uma tarefa complicada por conta das inúmeras exigências dos Cartórios de Registro de Imóveis, e vai sem dizer que quanto maiores os encargos, mais dificuldade terá o devedor de liquidar suas pendências.

A experiência também tem mostrado que muitos condôminos deixam de pagar suas cotas por puro descaso, ou por falta de controle de suas finanças.

Assim, o síndico deve controlar com rigor a inadimplência, instruindo a administradora a enviar cartas de cobrança e não hesitando em aforar ação de cobrança executiva contra devedores contumazes, um processo hoje muito mais célere, graças ao novo Código de Processo Civil, que passou a caracterizar as cotas condominiais como títulos executivos. A ação executiva também favorece o devedor, ao permitir-lhe depositar o valor de 30% da dívida e requerer o pagamento do restante em até seis vezes.

Restam as opções de protestar as cotas condominiais e incluir o nome do devedor nos serviços de proteção ao crédito, ações radicais, de pouca valia, que dificultam ainda mais a recuperação da estabilidade financeira de condôminos que perderam o emprego, por exemplo, já que muitas empresas não contratam pessoas com o nome “sujo”.


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Autor

  • Luiz Leitão da Cunha

    Síndico profissional, Luiz Leitão da Cunha já atuou como jornalista, tradutor, gestor de empresas e operador da Bolsa de Valores. Em São Paulo (SP), realiza a gestão de condomínios localizados nos bairros de Jardins/Cerqueira César, Pinheiros e Itaim-Bibi.

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