O síndico e os conflitos em condomínios na pandemia

Ao lidar com conflitos em meio a uma pandemia, é importante não haver julgamento da parte do síndico, que assim poderá agir objetivamente, entender o que de fato está acontecendo e garantir uma comunicação efetiva com a comunidade condominial.

Um dos papéis do síndico é, inicialmente, transformar a desavença em entendimento. Ele deve se informar, analisar e utilizar meios de comunicação eficazes, sem autoritarismo, além de buscar a colaboração do Conselho e utilizar a inteligência emocional no dia a dia, de forma a gerar um clima ameno e bem-estar na convivência condominial.  Sair aplicando multas é um erro que muitos síndicos cometem achando que, com isso, resolverão problemas. Mas o que acontece mesmo com esta atitude intempestiva é a potencialização dos atritos, aumentando as incompatibilidades e as fofocas.

Através de uma análise inicial, percebemos que a pandemia da Covid-19 mudou o comportamento das pessoas. Obrigadas a se manterem fechadas por um longo período, sentindo diariamente incertezas, medos e perdas, tanto financeiras como familiares, algumas pessoas, infelizmente, acabaram desenvolvendo desequilíbrios psíquicos, os quais impactaram no aumento dos conflitos no condomínio.

A comunicação que parte do síndicos, através dos vários meios de comunicação como painéis, aplicativos de mensagens instantâneas do celular, elevadores, cartas impressas, entre outros, deve ser muito bem redigida, escolhendo-se as palavras com cuidado. Comunicados e notificações padronizadas, numa linguagem “curta e grossa” (como diz o jargão), não são bem-vindas e muitas vezes dão o “start” para os conflitos. Multas podem ser evitadas quando se tem um olhar amplo e se utiliza a inteligência emocional para os conflitos e aborrecimentos.

Agradar a todos em um condomínio é bem difícil, sempre existirá uma parte insatisfeita, desconfiada, que não se simpatiza com o gestor e sua equipe de trabalho. Por isso, o julgamento deve dar lugar à calma e ao entendimento. Reuniões frequentes e uma gestão transparente, além de uma equipe bem treinada, são ferramentas para um dia a dia de paz.

Se o síndico não tem a habilidade na comunicação, ele pode se desafiar e desenvolvê-la em cursos, como o de mediação de conflitos, que são oferecidos hoje no mercado. Existem também empresas especializadas com experiência nesta área, que desenvolvem um excelente trabalho de apoio.

Farei um breve relato aqui do que aconteceu comigo em um condomínio durante a pandemia. Acredito que a experiência que tive irá ajudar muitos síndicos a repensarem sua comunicação, a inteligência emocional e a necessidade de adquirirem habilidade para um olhar mais humano e amplo. É preciso estar preparado no dia a dia para lidar com conflitos e problemas, porque nunca sabemos quando irá surgir um, e este foi surpreendente.

Sobre o caso

Uma obra bem barulhenta (como todas o são), iniciada há pelo menos 3 meses, já chegando em sua fase de acabamento, precisou ser interrompida por 4 dias até entendermos o que de fato estava acontecendo.

Um condômino extremamente nervoso me chamou para relatar um fato e, para minha surpresa, ele já estava com a visita da Defesa Civil, que ele mesmo acionou. Ele alegava que sua unidade havia sido impactada pelo obra do andar superior. Me mostrando várias anotações e fotos, começou a falar sem parar pedindo uma solução.

Primeiramente visitei a unidade e chamei o engenheiro responsável para fazer o mesmo. Com o objetivo de acalmar o condômino, orientei-o a chamar outro profissional de sua confiança, para também acompanhar o caso. Observei alguns riscos nas paredes, a princípio não achei nada grave, mas como não sou engenheira, aguardei o laudo técnico dos profissionais.

Nestes dois dias que seguiram, o condômino se negava a dormir na unidade com medo de algo pior. Abordava os moradores nas áreas comuns falando que o prédio corria riscos, alertando-os sobre problemas estruturais que estariam visíveis em sua unidade, consequência da obra. Isso gerou um grande alarde entre os moradores, pois todos passaram a querer saber o que de fato estava acontecendo. Chamadas de celulares e mensagens não paravam de chegar para a síndica, o caos estava criado. No intuito de acalmar a todos, e enquanto buscávamos rapidamente respostas e esclarecimentos com provas concretas, enviamos um comunicado onde apresentamos os laudos e vistorias anteriores, mostrando que o edifício estava em segurança.

Retomamos a reunião com os engenheiros que entregaram seus respectivos laudos técnicos, os quais apontavam que nada de anormal acontecia nas unidades e no edifício. Analisando todos os fatos, observamos que a história começou assim que se noticiou a queda de um edifício residencial em Miami, em junho passado. O condômino reclamante já morava há alguns anos em nosso condomínio, o que facilitou para entendermos o comportamento dele. Além disso, entramos em contato com a família que prontamente nos atendeu. Após saberem dos fatos, foi esclarecido que existia uma grande possibilidade deste morador estar sofrendo de uma crise de pânico e ansiedade com alucinações, pois a família já vinha observando mudanças no comportamento dele. Dias depois foi confirmada e diagnosticada a doença emocional e psicossomática. Atualmente, ele está em tratamento ao lado de seus familiares.  

A atitude do condômino seria passível de multa porque conforme os artigos 138 (Calúnia) e 139 (Difamação) do Código Penal, ele estava passando uma informação adiante, fazendo uma acusação direta sem ao menos ter elementos de veracidade da informação. A multa, conforme o Código Civil, Art. 1.337, pode ser de até dez vezes o valor da cota condominial. Entretanto, multas podem (e devem) ser evitadas quando o julgamento é deixado de lado e o síndico dá espaço para pensar com objetividade, buscando elementos da realidade, além de saber ouvir e ser ouvido.

A pandemia trouxe a nós – síndicos – experiências e desafios que nenhuma universidade seria capaz de nos passar. E seguimos em frente com novos aprendizados e conquistas para a Conservação e Valorização do Patrimônio.

Autor

  • Cristiane Bittencourt Reis

    Síndica profissional em São Paulo, tem formação na área pela Gabor RH. É graduada em Comunicação Social, com MBA em Recursos Humanos pela USP e educação continuada em Finanças, RH e Administração pela FGV. Tem 20 anos de experiência na área administrativa em empresa privada e é sócia da Ruffino & Alvim Empreendimentos e Administração de Imóveis. Possui ainda cursos de Gestão em Qualidade de Vida pela FEA-USP PROGEP, Administração de Conflitos e Qualidade Máxima no Atendimento ao Cliente, os dois últimos pelo Sebrae.

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