Novos limites legais para a cobrança de multa e juros moratórios/sancionatórios na inadimplência condominial

O advento do Código Civil Brasileiro em 2002 trouxe ao ordenamento jurídico novas regras de direito condominial, no que houve representar um significativo avanço para esse particular segmento do universo jurídico, tanto assim que houve derrogar inúmeros dispositivos da Lei n° 4.591 de 1964, mais conhecida por “Estatuto do Condomínio”.

Contudo, e a despeito da existência de novel legislação de perfil propositivo e de elogiável alcance, parece ter esse mesmo códex incorporado alguns indesejáveis retrocessos, senão imponentes embaraços, quase insuperáveis para a gestão de condomínios, especialmente quando se trata de discorrer sobre a temática do equilíbrio econômico e financeiro das estruturas condominiais.

Dentre estes obstáculos, encontram-se as regras que regem a cobrança de multa e de juros moratórios e sancionatórios que decorrem do estado de inadimplência da cota condominial; isso porque, a atual norma de regência autoriza que a cobrança de juros moratórios de cotas condominiais em atraso possa se dar em patamar superior a 1% (um por cento) ao mês, desde que tal regra se encontre prevista no corpo da Convenção de condomínio. É o que afirma o Art. 1.336, § 1º do Código Civil Brasileiro: “O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito”.

Outrossim, o Código Civil não estabelece limite máximo para a taxa de juros mensal a ser cobrada, o que acarreta estado e sensação de expressiva insegurança, sentimento indesejável para as relações jurídicas de direito privado.

Ademais, no âmbito dos tribunais superiores, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia se pronunciado no sentido de admitir a possibilidade da cobrança de juros de mora em nível superior a 1%, desde que a Convenção de condomínio expressamente assim dispusesse.

Com efeito, constatamos que a insegurança jurídica no campo da definição dos valores de multa e dos juros moratórios e sancionatórios reina absoluta. Isso porque, conquanto se possa colher no repertório jurisprudencial pátrio, farto material produzido na linha da tentativa de colmatação das lacunas legais, verifica-se nas práxis das cobranças condominiais, a utilização de indicadores multivariados, dando mostra de que em alguns condomínios se adota a regra prevista no Art. 1.036, parágrafo primeiro do Código Civil. A saber, a cobrança de juros residuais de 1% ao mês, enquanto outros condomínios entendem por cobrar juros convencionados de 10%. E há ainda aqueles que se posicionam no sentido de cobrar até mesmo percentuais inferiores ou superiores a estes mesmos 10%, situação esta que se vê agravada quando a contextualizamos no cenário da pandemia do novo Coronavírus, onde a inadimplência se apresenta como um fenômeno imanente à crise sanitária em nosso País.

Assim é que o Projeto de Lei 4.349/2020 [apresentado à Câmara Federal pelo deputado Tiago Dimas em 25/08/2020] procura atender a essa particular demanda, especialmente quando passa a estabelecer que o condômino ou possuidor que deixar de pagar a cota condominial estará sujeito aos juros moratórios convencionados, respeitado o limite máximo de 10% (dez por cento) ao mês, ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês.

Relativamente à multa, o PL reprisa o texto vigente e insiste no percentual de até 2% (dois por cento) sobre o débito; contudo, inovando a ordem jurídica, e dentro de uma proposição, a nosso ver benfazeja, o texto proposto assinala que o devedor contumaz, como tal considerado aquele condômino ou possuidor que deixa repetidas vezes de pagar a sua cota condominial, poderá ser obrigado a pagar multa acima de 2%, observado o limite máximo de 10% (dez por cento) sobre o débito, desde que aprovada a sanção em assembleia por quórum qualificado de 3/4 (três quartos) da massa condominial.

Aduz ainda o projeto de lei que o condômino que se protrair inerte, deixando de cumprir suas obrigações condominiais, haverá de pagar a multa prevista no ato constitutivo ou na Convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que vierem a ser objeto de apuração; ademais, não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, mediante a deliberação de 2/3 (dois terços) no mínimo dos condôminos restantes, decidir sobre a cobrança da multa.

Vemos assim, de um lado, um claro rompante de lucidez do legislador, ao perceber, após 18 anos de vigência legal, que o Código Civil demandava por certo uma necessária atualização, admitindo a imprescindibilidade de um maior apenamento do condômino inadimplente; contudo, a se lamentar, esse mesmo legislador, surdo aos brados da desafortunada gestão condominial contemporânea, persiste no erro de prever quóruns qualificados para admissão dos sistemas de juros e de multa, em percentuais dificilmente atingíveis, correndo o risco de tornar natimorta a regra que ainda sequer bramiu o seu choro de neonata na maternidade das leis.

Espera-se que nos debates legislativos, a norma proposta possa sofrer aperfeiçoamento, tornando-a mais condizente com a realidade condominial, a qual impõe a disponibilização de ferramentas mais ágeis, mais arrojadas e mais eficientes, que tenham o condão de conferir ao síndico a máxima efetividade em sua gestão, a qual passa necessariamente pelo procedimento de cobrança dos inadimplentes, tanto os de natureza eventual como os daqueles qualificados como devedores contumazes, vez que o status de inadimplência milita contra a saúde financeira do condomínio, situação esta que deve ser evitada ou desestimulada o máximo possível.


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Autores

  • Vander Ferreira de Andrade

    Advogado. Especialista, Mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP. Responsável pela capacitação de mais de 5.000 profissionais no segmento condominial em todo o Brasil. Palestrante e Parecerista. Articulista de diversos periódicos especializados na área do Direito e da Gestão Condominial. Autor do “Manual do Síndico Profissional” (Editora Nelpa – São Paulo, 3.ª Edição, 2022). Atualmente é Vice-Presidente do Capítulo São Paulo da J. Reuben Clark Law Society e Presidente da Associação Nacional de Síndicos e Gestores Condominiais.

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