Projeto de Lei nº 2.510/2020: impactos na rotina dos condomínios

Cara(o)s colegas síndica(o)s, acredito que a maioria já deve ter ouvido a máxima: “Em briga de marido e mulher, não se mete a colher”. Infelizmente, a nossa cultura machista fez com que muitos acreditassem que este comportamento era o correto. A violência doméstica, que pode ser contra a mulher, criança, idoso ou pessoa com deficiência, segundo os registros públicos, aumentou de forma considerável durante a pandemia do novo Coronavírus, por causa do isolamento social determinado pelas autoridades de saúde pública, que manteve vítimas e agressores convivendo em tempo integral.

De autoria do senador Luiz do Carmo, o Projeto de Lei nº 2510/2020 (PL 2.510) promove alterações na Lei nº 4.591/64 (Lei do Condomínio), no Código Civil e no Código Penal, fazendo referência ao que determinam o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso e o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Ou seja, abrange todos os tipos de violência relacionadas ao ambiente doméstico familiar. A justificativa da lei ressalta as medidas que diversos países tomaram para prestar assistência às vítimas de violência doméstica, em especial durante a pandemia, a qual fez com que aumentasse o estresse, o desequilíbrio financeiro, o consumo de álcool e outras drogas, bem como a convivência extrema da vítima com o agressor.

Dentre as justificativas do PL 2.510, ressalta-se o fato de que a violência praticada no ambiente doméstico, em especial nos grandes centros urbanos, está muito presente em condomínios verticais ou horizontais, de modo que as pessoas que tiverem conhecimento sobre algum caso de violência devem atuar de forma direta, denunciando a ocorrência do crime para a autoridade pública ou de forma indireta, relatando ao síndico ou administrador o episódio criminoso, desde que não coloquem em risco a sua própria integridade física.

As pessoas mencionadas no PL 2.510 abrangem os síndicos, condôminos, locatários e possuidores, mas não menciona sobre os funcionários do condomínio. É importante analisar o projeto legislativo para que os síndicos estejam preparados quando for convertido em lei, pois já sofreu algumas alterações e ainda pode ter mudanças ou veto presidencial. Mas a essência da lei deve permanecer a mesma. Não se trata de simplesmente instituir mais uma obrigação ao síndico além de todas já existentes, tampouco imaginar que tais providências são funções somente do Estado.

Sobre este ponto devemos destacar que a Constituição Federal institui que a segurança pública não é somente um dever do Estado, mas também um direito e responsabilidade de todos os cidadãos, além de garantir especial proteção do Estado à família, coibindo qualquer tipo de violência e assegurando o direito à vida, à saúde, à dignidade, ao respeito e à liberdade, evitando qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Tais garantias constitucionais também estão presentes em diversos documentos internacionais em relação aos quais o Brasil é signatário, tendo como principal referência a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A versão do Projeto de Lei com data de 9/7/2020, que é a analisada neste artigo, institui que dentre as atribuições do síndico está a de comunicar às autoridades competentes – quando tiver conhecimento – sobre os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, contra a criança, adolescente, pessoa idosa e pessoa com deficiência ocorridos nas áreas comuns ou no interior das unidades habitacionais, praticados mediante ação ou omissão. A “ação” consiste em violência física como bater, agredir com objetos ou algo similar e a “omissão” consiste em deixar de prestar os cuidados necessários, como manter uma criança sem alimentação ou um idoso sem cuidados de higiene, por exemplo.

Existe ainda a previsão de que o condômino, locatário ou possuidor, caso deixe de comunicar o síndico ou o administrador sobre os casos de violência doméstica que tenham conhecimento, ainda que ocorridos no interior das unidades habitacionais, poderá pagar a multa prevista na Convenção, desde que não seja superior a 5 (cinco) vezes o valor de suas contribuições mensais.

Penalidades

Dentre outras penalidades, a lei prevê a destituição automática do síndico ou do administrador caso tenham sido advertidos previamente em assembleia geral convocada para esta finalidade e nada fizeram. Não basta simplesmente informar que avisou o síndico e este não agiu, é necessário comprovar que o síndico ou o administrador tiveram pleno conhecimento sobre a violência doméstica e nada fizeram. Sobre este descumprimento, a partir da segunda ocorrência, há a possibilidade de o condomínio sujeitar-se à multa de 5 a 10 salários de referência, valor que será revertido em favor de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher ou de violência contra criança, adolescente, pessoa idosa e pessoa com deficiência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

A problemática sobre esta determinação é se o Ministério Público, que aplicaria esta multa e se for em decorrência do descumprimento da lei por parte do síndico ou administrador os condôminos, poderia cobrar este valor de forma regressiva em face do síndico ou do administrador. Com o objetivo de proteger as partes envolvidas, o PL também prevê o seguinte dispositivo, que entendo ser importante transcrever:

“A proibição de que as denúncias de violência familiar e doméstica sejam utilizadas como meio de atingir a honra e a dignidade das pessoas envolvidas, através da veiculação, por quaisquer meios, de comentários maledicentes, especialmente envolvendo as pessoas que apresentaram as denúncias e as que sofreram a violência, bem como seus familiares, sob pena de multa, sem prejuízo das demais sanções civis e criminais cabíveis.”

Esta determinação visa coibir falsas denúncias ou comentários em grupos de WhatsApp, por exemplo, insinuando que este ou aquele morador agride um familiar e que o denunciante tem problemas pessoais com o condômino etc. De forma preventiva e visando conscientizar todos moradores, o projeto legislativo institui que o síndico ou o administrador:

“Mande afixar, nas áreas comuns, preferencialmente nos elevadores, quando houver, placas alusivas à vedação a qualquer ação ou omissão que configure violência doméstica e familiar contra a mulher ou violência contra criança, adolescente, pessoa idosa ou pessoa com deficiência, recomendando a notificação, sob anonimato, às autoridades públicas por quem a testemunhar ou dela tiver conhecimento, ainda que praticada no interior de unidade habitacional.”

É salutar o fato de que qualquer pessoa que constatar alguma das violências descritas em um condomínio, seja nas áreas comuns ou na unidade privativa e, conscientemente, não informar as autoridades públicas, incorrerá no crime de omissão de socorro, previsto no Código Penal e, se aprovado o PL 2.510, também terá que pagar as multas condominiais acima mencionadas. Observem que o intuito da lei é criar mecanismos de proteção às vítimas de violência doméstica, facilitando que o agressor seja devidamente punido pelas autoridades policiais. Portanto, caso tenham conhecimento de algum caso de violência doméstica no seu condomínio, liguem para a “central de atendimento à mulher”, no 180!


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Autor

  • Irina Uzzun

    Advogada sócia do escritório Irina Uzzun Sociedade de Advogados, professora universitária, pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD) e mestranda em Soluções Alternativas de Controvérsias Empresariais pela EPD. Irina Uzzun foi síndica orgânica do Condomínio The Spotlight Perdizes, em São Paulo, durante 5 mandatos seguidos. Atuou como síndica profissional.

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